terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Massano Júnior, o Rei dos Tambores: “A juventude tem feito coisas interessantes”

Importante figura da cena musical angolana, Massano Júnior celebrou mais um aniversário junto de amigos e familiares. O homem do Marçal nasceu no dia 10 de Novembro de 1948. Os seus aficcionados, desde Abril deste ano, mês em que foi lançado, perguntam invariavelmente: onde encontrar o álbum "Kizua"? O caderno Fim-de-Semana esteve à conversa com Massano Júnior e começou logo pela interpelação sobre o "paradeiro" da sua obra discográfica. O músico, com uma postura aberta, respondeu sem rodeios a todas as perguntas. Convidamos o caro leitor a mergulhar um pouco, com Massano Júnior, na história da música angolana 
Em Abril lançou “Kizua”, muito procurado e solicitado, que marca o seu regresso discográfico. Quais as razões da falta de disponibilidade da obra no mercado?
O disco foi uma iniciativa de meus familiares, que fizeram todos os esforços no sentido de materializar a gravação. Eu apenas procurei seleccionar os músicos da minha conveniência, com a ajuda do Dulce Trindade. Os meus familiares recorreram ao Jorge Cervantes, que esteve aqui e gravou nos estúdios Marimba.
É caso para dizer que o disco “Kizua” também apareceu de caxexe…
(Risos) Está sob responsabilidade dos meus familiares. Eles adoptaram uma política em relação ao disco que eu desconheço e eu prefiro manter-me a espera de outros desenvolvimentos.
“Kizua” é um filho que não está sob sua responsabilidade?
Está entregue em muito boas mãos. Eles estão a dar o seu melhor. Quanto à distribuição só eles sabem, mas vou ter de estar um pouco mais por dentro, para satisfazer os pedidos. Aos meus admiradores prometo que iremos agilizar o processo, não aguento mais as solicitações e as exigências que me são feitas.
Olhando para a produção do disco, de facto, a sua família esteve muito envolvida. A que se deveu isso?
Sou o patriarca dos Massano e sempre tive uma boa relação com os meus familiares. Isso até está reflectido na canção “Anami”. Perdi os meus pais cedo e, como mais-velho, tive de cuidar de todos, trabalhar duro. Talvez por isso o gesto deles. E também por isso não estou preocupado com as questões administrativas. Eles são pessoas suficientemente formadas, tudo o que sou também devo aos meus filhos e irmãos. Eles organizaram a apresentação do lançamento do disco e ofereceram aos presentes.
O que podemos encontrar no álbum?
Apenas recordações de temas antigos que marcaram a minha carreira. No próximo, que estou a preparar, penso apresentar temas novos, porque nunca deixei de compor. Isto está na alma…
E “Minga” é o tema de abertura do disco que também retoma “Anami”… Sim. “Minga” está sem aquele toque do órgão do Tony Galvão, mas penso que está com o mesmo sentimento. O tema “Anami” é dedicado aos meus filhos. Foi numa época em que acabava de chegar do exterior, depois de os ter deixado. A vida estava difícil e eu tentando estabelecer-me…
Falando em “Anami”, há tempos o jornalista Gilberto Júnior, na rubrica “Ripiti”, do “Poeira no Quintal” da RNA, colocou a tocar uma das primeiras, e pouco conhecida, versão deste tema com andamento reggae…
Sim, foi feita no tempo do Instrumental 1º de Maio. Os arranjos foram do Teddy e do Mogue. O Instrumental 1º de Maio era uma formação versátil e tocava tudo.
Assim como o seu lado sentimental…
Sim. Esta é a minha marca melódica, mas também posso sair dela. Tenho canções mais dançantes como “Sunga Sunga”.
Músicas novas? E com quem vai trabalhar?
Mais uma vez com o Dulce Trindade, que é um músico que eu admiro.
É impressão nossa ou está sempre rodeado por músicos do Marçal, Rangel e Bairro Operário? Os do Prenda não contam?
Vocês gostam de problemas. O Zé Keno passou pelos Africa Show e eu cantei numa homenagem aos Jovens do Prenda. Pode parecer coincidência. O Zeca Tirilene é uma sumidade, toquei muitos anos com ele e grande parte dos meus sucessos têm o seu toque.
Aquando da apresentação do seu disco, outros artistas interpretaram as suas músicas…
Mas eu cantei quatro músicas. Como a produção esteve a cargo do Dionísio Rocha, eu tive que respeitar.
O que mais temos nesta obra? Tirando a parte musical, consta um DVD produzido pelo incansável Nguxi dos Santos, que também fez a cobertura, pela Internet, do lançamento do disco.
Falar de Massano Júnior remete-nos ao movimento cultural do tempo das turmas em bairros como Rangel, Marçal, Operário e outros. Como foi que tudo começou com o miúdo do Marçal?
Fui inspirado pelo Mangololo, que era um grande tamborista. Pertenci à turma dos Vagabundos do Bairro Marçal, com o Zé Maria, Victor da Poupa Russa, Zé Moranha, Kavulanga e outros, que infelizmente já morreram. Depois juntei-me ao Kipuca e formei Os Kipukas e os Seus Malambas. Em 1967 Dionísio Rocha foi buscar-me ao Rangel, onde morava, para participar nos Negoleiros do Ritmo, em 1968. Posteriormente entro para a vida militar e formo então o África Show.
Uma curiosidade.
Os Negoleiros do Ritmo tinham como tamborista o grande Joãozinho Morgado e Massano Júnior era a outra fera. Poucos imaginam que tenham partilhado os tambores no mesmo grupo e na mesma época?
Parece mentira, mas é verdade. Formámos uma boa parelha e entendíamo-nos muito bem. Quem sabe voltaremos a repetir para a actual geração…(risos).
É incontornável falarmos do África Show…
Sim. Actualmente tem dois sobreviventes, eu e o Zeca Tirilene. Nós introduzimos o órgão na música angolana. Teta Lando, Tony Galvão e Belmiro Carlos são nomes que passaram pelo África Show.
É verdade que o África Show tinha um outro tipo de público e que apenas tocava no asfalto?

(Foto: D.R.)
Infelizmente algumas pessoas diziam que éramos da elite, mas nós tocávamos em todo o lado, Sambizanga, Rangel, enfim. Mas éramos assim rotulados. Éramos todos do Marçal e do Rangel e não sei qual seria o mal de levarmos a nossa música para o asfalto. Penso que havia toda a necessidade, para os portugueses, terem contacto com os nossos ritmos. Olha que já naquela altura o Elias dya Kimuezo era o baluarte, por isso procurávamos exportar a nossa música para o outro lado. O África Show também teve uma forte componente de grupo de acompanhamento, por exemplo, com o Zé Viola. E outros.
Enquanto isso, o tamborista Massano Júnior também se destacou como um grande intérprete…
Exactamente, por causa do espiritual angolano…
Espiritual angolano?
Tudo por uma questão sentimental. Quando comecei a cantar acabava de perder a minha sogra, Minga, e é assim que a minha primeira composição foi dedicada a ela.
Neste conjunto Massano Júnior, com um passado bem assente na música angolana, junta-se a instrumentistas de uma escola diferente, a do então Zaire. Como foi a adaptação destes aos nossos ritmos? Eram músicos excelentes e dedicados.
Por exemplo, hoje não se encontra um solista como o Teddy Nsingi, nem um baixista como o Mogue. São casos raros. Olha que nos grandes concertos deste país o Teddy é uma presença constante. Ele é um estudioso da música angolana.
E aquela imagem do Massano Júnior com os quatro tambores em palco, era apenas estilo?
Não. Eu tocava mesmo os quatro tambores e ainda toco hoje, se for necessário.
Em que circunstâncias entra no Instrumental 1º de Maio? Quando regresso ao país o Sabú Dinis, na altura, era um responsável da UNTA. Ele fez a selecção dos músicos, conhecia o meu passado como artista e a situação em que me encontrava.
É engraçado como as mudanças no país também mudaram a designação do grupo…
Passámos para Semba África porque eram muitos elementos no Instrumental 1º de Maio.
nestes espaços.
“Meninas de hoje”, um dos temas mais marcantes de Massano Júnior, chegou a esta nova geração pela versão de Caló Pascoal. O que achou da concepção rítmica? Não fugiu ao espírito e não criou grandes invenções. Ele é um artista versátil, sinceramente senti-me lisonjeado. Coisas desta natureza merecem o meu apoio.
Parece que é da mesma opinião do seu falecido amigo e companheiro Teta Lando, quanto às versões, feitas pelos jovens, de sucessos do passado. Isso mesmo quando elas são feitas sem uma comunicação prévia?
Penso que não custa nada pedir a autorização. Agora, quanto a interpretar a minha música, podem interpretar livremente, mas, repito, não custa nada pedir. Por outra, saibam que ninguém está proibido de cantar a música do outro, há apenas procedimentos a seguir, como o facto de anunciar o autor, e outros, à luz dos direitos autorais.
Há jovens que quase vivem de sucessos de canções antigas. Como vê isto?

José Massano Júnior: “Hoje não se encontra um solista como o Teddy Nsingi, nem um baixista como o Mogue. São casos raros. Olha que nos grandes concertos deste país o Teddy é uma presença constante. Ele é um estudioso da música angolana”. (Foto: D.R.)
Também tem o seu lado bom. Olha que, por vezes, dão-nos trabalho e trazem-nos para um público novo. Dão a conhecer artistas e canções que os mais novos, de outro modo, dificilmente conheceriam, ou não conheceriam mesmo. É também assim noutras paragens. Mas é lógico que devem criar bastante. Olha, faço uma vénia aqui ao Yuri da Cunha, que pegou em temas de Artur Nunes e os pôs novamente na ribalta. É louvável e merece todo o nosso elogio. Jovens como o Yuri da Cunha estão a levantar defuntos.
Então a nossa música está no bom caminho?

Massano Júnior, sobre a UNAC-SA: “É uma instituição pobre e só Deus sabe como encontrei aquilo. Usei recursos próprios enquanto aguardávamos a verba, o orçamento que o Estado dá através do Ministério da Cultura, que não chega. Com a ambição de meia dúzia de indivíduos chegámos a esta situação, e lá até existem pessoas que nem sequer são artistas. Eu sempre fiz parte da UNAC e passei à presidência à luz dos estatutos, com a saída do presidente eleito, o Dr Arnaldo Calado. Gostaria de referir que o Belmiro Carlos fez muito pela instituição”.
(Foto: D.R.)
Acho que sim. Nos aspectos técnicos a juventude tem feito coisas interessantes na música angolana. É preciso que tenhamos a coragem de dizer que sem os jovens músicos isto não vai sobreviver, não seremos apenas nós, artistas antigos, a fazer isto.
Mas, kota Massano, quando olhamos para o panorama vemos que existem pouquíssimos executantes de dikanza e de tambores, instrumentistas que são determinantes, não obstante o grande numero de intérpretes…
Sim, são a base da nossa música. A dikanza praticamente desapareceu, ela que já era um instrumento frágil. Há aí uma nova geração de tamboristas que é de se lhes tirar o chapéu, como o Correia da Banda Movimento e o Chico Santos, Recordo que o Julinho quase já não toca, o Joãozinho Morgado continua no activo e eu às vezes toco… Apesar deste quadro, sou positivo.
Mesmo a contragosto, a UNAC não tem como não entrar nesta conversa… Sim. Infelizmente optei por afastar-me da direcção, porque sou um indivíduo que não gosta de confusões, não que eu fuja à luta mas prefiro evitar certas coisas.
É uma instituição pobre e só Deus sabe como encontrei aquilo. Usei recursos próprios enquanto aguardávamos a verba, o orçamento que o Estado dá através do Ministério da Cultura, que não chega. Com a ambição de meia dúzia de indivíduos chegámos a esta situação, e lá até existem pessoas que nem sequer são artistas. Eu sempre fiz parte da UNAC e passei à presidência à luz dos estatutos, com a saída do presidente eleito, o Dr Arnaldo Calado. Gostaria de referir que o Belmiro Carlos fez muito pela instituição.
Mais uma vez, obrigado pela disponibilidade…
Eu é que agradeço. Afirmo que aceitei abrir-me porque tive boas referências tuas. Antes falei com alguns amigos que me disseram que valia a pena conversar contigo. Também gosto dos destaques do caderno Fim-de-Semana do Jornal de Angola. Estarei sempre à vossa disposição.

“Gosta de congregar e mitigar sofrimento”

” Kizua” não é apenas um trabalho áudio. A obra está acompanhada por um DVD produzido por Nguxi dos Santos, onde Massano Júnior, familiares e colegas falam do seu percurso. Do documentário, apresentamos aqui alguns depoimentos, onde os intervenientes não falam apenas do autor, mas ajudam a compreender o movimento cultural envolvente.
Massano Júnior – “Fiz os meus estudos no Lobito. De regresso a Luanda instalei-me no Marçal… Participava nos recitais organizados pela Albina Assis e ganhava sempre… Fui convidado pelo Dionísio Rocha para substituir o Joãozinho nos Negoleiros do Ritmo e começo a ver uma luz no fundo do túnel na minha vida musical… Recebi um convite do Duo Ouro Negro e, na companhia de Carlitos Vieira Dias e do baixista Mário Bento, participamos na revista Blackground Internacional, uma companhia de teatro. Depois regresso e crio o África Show… Muitos não queriam a introdução do órgão, mas eu sempre disse que a música devia evoluir e que era necessária a introdução de instrumentos modernos… Eu era tratado como o espiritual e o África Show o conjunto espiritual angolano.”
General João Pereira Massano (irmão) – “Perdi o pai muito cedo e ele cuidou de mim, é o único pai que tive… Ele é o pilar em que eu sempre me revi, é um exemplo. Estou com ele e com ele vou até às últimas consequências.”
Dionísio Rocha (músico) – “Ele cria o África Show numa fase em que os elementos dos Negoleiros vão para a tropa. Nessa época de pausa, ele forma o seu próprio conjunto.”
Carlos Lamartine (músico e compositor) – Massano quando chegou do Lobito estava interessado no movimento cultural… O África Show era um conjunto modernizado.”
Manuelito (músico) – “Ele funda o conjunto com intenção de criar um estilo novo… Ele preferia espaços onde pudessem compreender a interpretação do reportório do grupo.”
Santos Júnior (músico) “Pertencemos ao grupo Estrelas Negras… Ele ajudou muito os elementos do África Show, já tinha um certo protagonismo junto das casas de equipamento musical, foi ele que adquiriu o primeiro aparelho do grupo. Para segurar os membros, comprava motorizadas para se deslocarem aos recintos de espectáculos… Tocava com os pés, a cabeça… Era chamado Rei Massano das Tumbas…”
Galiano Neto (músico) “É importante que indivíduos como Massano gravem e deixem obras, porque não são muitos os que ainda podem deixar-nos o legado e a verdade da música angolana.”
Dom Caetano (músico) – “Gosta de congregar, de apaziguar, gosta de mitigar sofrimento.”
Caló Pascoal (músico) Foi importante estar junto com Massano e sentir a alma do autor… Eu pretendia que ele interpretasse a música “Meninas de hoje”. Levei-lhe a gravação com a minha voz-guia e ele preferiu que esta ficasse.” (Jornal de Angola)
Por: Analtino Santos

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